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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
SÍRIA: ANTES DA PRIMAVERA, O INVERNO
   
"Um ano atrás, a empolgante 'Primavera Árabe' começou a desabrochar em tufos ainda esparsos de liberdade sobre os grandes desertos democráticos do Norte da África e Oriente Médio. Regimes ressequidos por décadas de dinastias familiares passaram a ser borrifados pelo clamor refrescante, inédito das multidões.

Começou pela Tunísia, em janeiro de 2011. No mês seguinte envolveu o Egito, dali soprou reformas no Marrocos e na Jordânia, forçou depois a transição de poder no Iêmen, passou em seguida para a Líbia. A aragem primaveril na região é persistente, embora diversificada, mas ameaça se transformar numa tempestade de areia e sangue no ponto mais turbulento do vizinho sudoeste da Ásia: a Síria.

A encrenca começa pela geografia: o país faz fronteira com Israel, Jordânia, Iraque e Turquia, foco das maiores tensões internacionais. Numa região abençoada pelo petróleo, é um dos seus menores produtores, de economia mais frágil. Numa área de 185 mil km², ¾ do Estado de São Paulo, vive uma população de 16 milhões de pessoas, um pouco maior do que a cidade de São Paulo, produzindo apenas 5% (US$ 107 bilhões) do PIB brasileiro.

Berço de uma das mais antigas nações do mundo, nascida 30 séculos antes de Cristo, a Síria vive a adolescência como nação moderna. Tornada independente apenas em 1946, agitada por golpes de Estado desde 1962, vive sob o tacão de um único sobrenome há quatro décadas. Hafez al-Assad deu um golpe em 1970 e governou com mão de ferro até morrer, em 2000, passando o poder a seu filho, Bashar al-Assad, que após uma década sente agora o bafo quente do levante popular.

Por três vezes, a Síria foi derrotada no campo de batalha por seu maior inimigo, Israel. Perdeu em 1948, foi batida na Guerra dos Seis Dias em 1967 e voltou a lamber o pó da derrota na Guerra do Yom Kippur de 1973. Outras três vezes a Síria confessou uma renitente crise de identidade, tentando se fundir com vizinhos que depois se tornariam rivais: Egito (em 1958), Iraque (1979) e Líbia (1980). Todas tentativas fracassadas.

O rastilho libertário da região esbarrou num regime militarmente mais preparado e numa conjuntura internacional mais travada. O foco principal da rebelião, Homs, a terceira maior cidade do país, com 500 mil habitantes, sofre pesados bombardeios do governo de Assad. Sem "zonas liberadas" para garantir a intervenção militar externa, Estados Unidos e União Europeia receiam o desgaste de um novo confronto parecido com o da queda de Kadafi na Líbia. O apoio da China e Rússia ao governo de Damasco impediu sanções no âmbito da ONU. Encorajado por este impasse internacional, Assad endureceu a repressão, recusou o diálogo e apertou o gatilho.

Em um ano de conflito, cerca de 9 mil opositores foram mortos, enquanto o governo alega a morte de 2 mil soldados ou policiais, jogando a Síria na fronteira de uma grave, sangrenta guerra civil que o mundo parece não ter como evitar. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, alertou que a crise síria atinge níveis 'alarmantes' e terá 'enormes repercussões mundiais'. O enviado especial Kofi Annan passou o fim de semana entre Moscou e Pequim tentando uma solução de compromisso que, pelo menos, reduza os confrontos e as vitimas. A Cruz Vermelha pede apenas um cessar fogo de duas horas diárias para recolher feridos e mortos, mas Assad não transige.

O fracasso dos mecanismos de mediação internacional na Síria pode agravar ainda mais o drama humanitário que a guerra civil iminente está provocando. Num país onde já vivem 100 mil iraquianos refugiados, cerca de 30 mil sírios tiveram que abandonar o país, enquanto outros 200 mil foram obrigados a fugir de casa para se proteger das bombas e blindados do regime.

Cerca de 200 grupos humanitários de 27 países, entre eles o respeitado Human Rights Watch, se uniram num comunicando apelando ao Conselho de Segurança da ONU por uma firme resolução condenando o uso da violência, da tortura e das prisões arbitrárias no país. Mas nada disso, por enquanto, passou pelo veto granítico de China e Rússia.

O impasse internacional, enquanto cresce o custo humano do conflito sírio, ajuda a agravar ainda mais a crise no país, bem mais séria do que os levantes na Líbia e no Egito. Até conseguir alcançar a sua eventual 'primavera árabe', a Síria terá que atravessar ainda um longo, terrível 'inverno de repressão e mortandade'. Só então o mundo verá se, dependendo da ação ou omissão das grandes potências, a Síria viverá - e, talvez, se sobreviverá.



   
 
 
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