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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
O RIDÍCULO TIGRE QUE MIA
   
O mundo prendeu a respiração, na quinta-feira (12) , quando foi lançado o Unha-3, o mais novo foguete da Coréia do Norte. Seria o teste para um futuro míssil de longo alcance, capaz de carregar uma ogiva nuclear de uma tonelada a mais de 10 mil km de distância. Mas o susto durou apenas alguns minutos: o foguete logo desintegrou-se, caindo em pedaços ao longo da península coreana, sobre o mar Amarelo. A mesma cor do sorriso dos governantes de Pyongyang, que imaginavam festejar com esta conquista bélica o centenário de nascimento de Kim Il-sung, fundador de uma das mais bizarras ditaduras do mundo.

O neto de 28 anos, Kim Jong-un, que assumiu o poder em dezembro com a morte do pai, Kim Jong-il, queria mostrar ao mundo sua primeira proeza. Foi apenas a versão norte-coreana do que o líder chinês Mao Ze Dong um dia usou para zombar dos Estados Unidos: "São apenas um tigre de papel, incapaz de resistir ao vento e à chuva".

A Coréia stalinista da folclórica dinastia Kim, que governa o país desde 1948, é produto da Guerra Fria, em conflito permanente com seu vizinho capitalista, a Coréia do Sul. A farsa do país começa pelo nome oficial - "República Democrática Popular da Coréia" - e se estende ao lema - "poderosa e próspera nação". O tigre de papel de Kim Jong-un não resiste ao vento e à chuva dos números constrangedores. O bilhão de dólares gasto no fiasco do Unha-3 seria suficiente para alimentar, durante um ano, quase todos os 23 milhões de habitantes do país, um dos maiores focos de fome da Ásia. Nos últimos três anos da década de 1990, cerca de 800 mil coreanos morreram de fome anualmente, a partir do pico de 2 milhões de mortos em 1997. Um levantamento da Anistia Internacional de 2006 mostrou que 7% das crianças eram gravemente desnutridas e 34%, cronicamente desnutridas. Uma em cada três era anêmica, graças ao déficit anual de 1 milhão de toneladas de grãos no país. Através da ONU, os Estados Unidos se tornaram em 1999 o maior doador de alimentos ao país, enviando para lá 700 mil toneladas de mantimentos de urgência.

Apesar disso, o esquálido tigre de papel norte-coreano tem uma armadura de guerra assustadora. Gasta obscenos 15% do seu PIB para sustentar o quinto maior exército do planeta, com um efetivo de 1,2 milhão de homens, 20% deles na faixa dos 17 aos 54 anos. De cada 25 habitantes, um está alistado nas Forças Armadas, a maior proporção mundial, já que oficialmente ainda hoje persiste um estado de guerra com seu vizinho do sul, apesar da Guerra da Coréia ter cessado com o armistício de 1953. Após o fiasco do foguete, o regime se prepara para o seu terceiro teste nuclear, outra ambição delirante de poder nacional: o país que não consegue botar comida no prato de seu povo esfomeado já acumula material físsil para armar nove bombas nucleares, segundo agências internacionais.

Montado num delirante "culto à personalidade", que leva multidões amestradas ao choro convulsivo em praça pública para lamentar a morte de seus líderes, a Coréia do Norte é um dos regimes mais fechados do mundo em plena era globalizada. Possui 12 jornais e 20 revistas, todos estatais, todos censurados, com louvações diárias aos ditadores Kim. Num relatório de 2008 da organização Repórteres Sem Fronteiras sobre a liberdade de imprensa em 173 países do mundo, a Coréia do Norte é o pior deles, superado apenas pela miserável Eritreia, espremida entre a Etiópia e o Sudão.

Mais do que atrasado, o tigre de papel dos Kim é risível. Num país que transformou o primeiro Kim, morto em 1994, em "presidente eterno" e decretou luto de 100 dias pela morte do segundo Kim, em dezembro passado, o telefone celular é uma ameaça mortal. Quem for pego na rua falando ao celular será preso. Se a acusação for "crime de guerra", o incauto usuário pode ser condenado à morte. Deve ser por isso que apenas 5% da população têm celular, e todos dependem de um único servidor estatal que hospeda menos de cinco mil sites.

O festivo lançamento do Unha-3, semana passada, parecia uma boa oportunidade para fazer propaganda. O regime, numa rara ousadia, convidou 50 jornalistas estrangeiros para testemunhar a glória nacional. Acabaram vítimas de um novo fiasco: ficaram presos por mais de três horas na sala de imprensa de um hotel em Pyongyang, sem permissão para circular. Acabaram acompanhando o fracassado lançamento do foguete por mensagens de e-mail e telefonemas para os editores de seus países. "Um dos guardas norte-coreanos me perguntou agora se o foguete foi lançado", informou pelo twitter o espantado correspondente da BBC News, Damian Grammaticas.

O vexame continuou na mesma quinta-feira em que o foguete explodiu. Uma caravana de três ônibus levaria os jornalistas estrangeiros para a visita a um centro de música em Pyongyang. O comboio pegou um caminho errado e foi parar em uma favela da capital desta "poderosa e próspera nação". O tigre de papel da Coréia da Norte não resiste ao vento, à chuva e ao ridículo. O miado da ditadura já não impressiona mais ninguém.



   
 
 
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