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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
A FRANÇA DERRUBA A BASTILHA DA AUSTERIDADE
   
A eleição do opaco socialista François Hollande no domingo, 6, é um terremoto que se mede pela economia, mais do que pela política. Afinal, o epicentro é a França, a segunda maior potência econômica da Europa, a quinta do mundo, hoje pendurada numa dívida pública de 1,7 trilhão de euros, 86% de seu PIB. Este cenário aterrador explica a derrota do conservador Nicolás Sarkozy, o primeiro presidente que não consegue se reeleger em três décadas, algo que não ocorria desde a derrota do conservador Giscard d'Estaing em 1981 para o socialista François Mitterrand.

Após um usucapião de 17 anos de presidentes de direita no Palácio do Eliseu, o eleitorado francês resolveu derrubar esta Bastilha, uma prática revolucionário pelo voto que guilhotinou sem piedade 17 governos europeus nos últimos três anos. Não é uma mudança radical, já que o país permanece dividido: Hollande bateu Sarkozy por apenas 51,6% contra 48,3%, com uma abstenção de quase 19%, a votação obtida pela extrema-direita de Marine Le Pen. O que explica a virada não é a ideologia, mas a economia, que arrebata corações e mentes de uma Europa em crise sufocada por uma angustiante austeridade.

"A austeridade não é uma fatalidade", entoou Hollande no seu discurso de vitória, pondo fim ao pensamento dominante no continente do euro, que sustentou o casamento político conservador entre as duas maiores economias da região - a Alemanha de Angela Merkel e a França de Nicolás Sarkozy. A fórmula do 'Merkozy' desandou pelo bolso. A relação pode piorar ainda mais, entre os dois países, a partir da resposta seca de Merkel ao discurso de seu novo parceiro francês: "Acordos não podem ser revistos a cada eleição". Mas é exatamente o que estão fazendo de forma consistente os teimosos e cansados eleitores europeus, ignorando o duro pacto fiscal de estabilidade firmado por 25 dos 27 países da União Europeia.

Hollande se beneficiou deste sentimento de exaustão para impor uma plataforma francamente irrealista. Ao mesmo tempo que prometia austeridade fiscal, com o equilíbrio total das contas públicas até o final de seu mandato de cinco anos, acenava com uma volta ao crescimento às custas de investimentos públicos, revogando as duras reformas aprovadas por seu antecessor e baixando a idade-limite para a aposentadoria de 62 para 60 anos, enquanto a Europa inteira está subindo a faixa etária, em alguns casos para 68 anos.

O novo presidente terá pouco tempo para agir. No mês que vem, junho, acontecem as eleições legislativas. Além da monumental dívida pública, de quase 90%, existe a bomba relógio do desemprego. Hoje, entre 35% e 40% dos jovens europeus estão desempregados. Se este mecanismo de explosão social não for desarmado, o populismo ganhará força num reduzido espaço de 15 anos, ampliando a tensão e os conflitos pela troca do centro moderado no poder por forças radicais que prosperam na crise, arrebatam pela paixão extremista e se inflamam pelo nacionalismo.

O discurso radical de direita e esquerda, hoje, é mais parecido um com o outro do que com qualquer partido centrista. De maneira geral, uns e outros são antieuropeus, antiglobalização e anti-imigrantes. Seus líderes detestam os bairros multiétnicos de suas capitais, não gostam de fronteiras abertas e acordo econômicos regionais, desprezam empresas multinacionais e desdenham instituições multilaterais. Em resumo, os radicais destes grupos odeiam o mundo e gostariam de viver fora dele.

O ambiente hostil favorece esta retórica isolacionista. Sufocados por uma crise econômica provocada pela incúria neoliberal e agravada, na Europa, pela criação de um quase-Estado firmado exclusivamente sobre bases financeiras e sem a constituição de um aparato político-administrativo para geri-lo, os 320 milhões de habitantes da culta e poderosa Zona do Euro vivem hoje um momento sombrio, inédito para quem construiu impérios e acumulou riquezas.

Pressionados até aqui pelos governos conservadores da Alemanha e da França e também pelas direções das agências internacionais de crédito, países como Itália, Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal, Áustria e até mesmo alguns países nórdicos têm sido forçados a adotar políticas de desmonte do Estado de Bem-Estar Social, depois da orgia do endividamento provocado pela atuação desregrada do capital financeiro, retirando direitos sociais há muito requisitados por seus cidadãos, cada vez mais assustados com o declínio da economia.

O resultado disso tudo tem sido o reavivamento dos conflitos e dos enfrentamentos sociais, com o crescimento preocupante da xenofobia e das ideologias de exclusão em toda a região. O exemplo mais dramático desta tendência vem do berço da democracia, a Grécia, que pode se transformar no túmulo do euro. Nas eleições de domingo passado, os dois principais partidos do país fracassaram ao perder o controle do Parlamento, que desde os anos 70 eles dividiam com uma sólida maioria de 70%. O conservador Nova Democracia e o socialista Pasok não conseguiram, agora, mais do que 38%, superados pela votação pulverizada de outros 30 partidos, dando à política a instabilidade que já grassava na economia. À esquerda e à direita, cresceram os partidos que combateram a austeridade de Merkel e defenderam o crescimento de Hollande.

O dado mais folclórico, e preocupante, desta opção pelo radicalismo vem da votação do Aurora Dourada, o partido neonazista grego que usa um arremedo de suástica em sua bandeira e um discurso estúpido que arrebata seus militantes vestidos de preto, coturnos e tatuagens cobrindo os bíceps salientes. "Os bairros de Atenas estão cheios de estrangeiros. Precisamos minar as fronteiras, para impedir que os estrangeiros entrem", diz a jovem Urania, 24 anos, filha do líder neonazista do Aurora Dourada, Nikolaos Michaliliakos, conhecido na imprensa local como 'Führer', que apesar desse prontuário ganhou 7% dos votos e arrebatou 21 das 300 cadeiras do Parlamento.

Neste cenário caótico e belicoso, se não conseguir formar um governo até o final de junho, a Grécia não poderá negociar a próxima parcela de US$ 4,3 bilhões com o FMI e a União Europeia. Sem caixa para fechar o mês, o país ficará sem liquidez e o calote será inevitável. A Grécia será forçada, então, a deixar a zona do euro, provocando um arrastão que poderá decretar o começo do fim da moeda única europeia.

As emoções fortes provocadas pela eleição de Hollande, portanto, não são o fim do drama do continente. Parecem ser apenas o início de uma nova etapa, que ganha agora as cores de uma tragédia tipicamente grega.



   
 
 
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