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Alvaro Valle
Alvaro Bastos Valle

Patrono
RACISMO E A FERIDA AMERICANA
   
Quase meio século se passou desde que Martin Luther King Jr., em 28 de agosto de 1963, diante de 250 mil pessoas reunidas em Washington, afirmou: "Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele.". Mas um incidente isolado entre um segurança branco e um jovem negro, reacendeu a luta racial que parecia ter sido sepultada nos Estados Unidos. Tudo começou na noite de 26 de fevereiro do ano passado, em Sanford, na Florida, quando Martin Travyon, de 17 anos, regressava a casa. Ao passar junto a um condomínio privado, cruzou com o vigilante branco na zona, George Zimmerman, de 28 anos, que considerou seu comportamento suspeito e telefonou à policia para comunicar o fato. Mas depois de desligar o telefone, ter-se-ia envolvido fisicamente com Travyon, acabando por balear e matar o jovem afro-americano.

Depois do incidente, a polícia não contrariou a alegação de autodefesa de Zimmerman e deixou-o sair em liberdade, o que provocou uma série de críticas e de protestos, pelo meio de acusações de racismo a Zimmerman e mesmo à polícia da Florida. A polêmica de George Zimmerman, o segurança que matou o adolescente negro Trayvon Martin, libertado porque um júri da Florida considerou que agiu em legítima defesa, despertou a ira da comunidade negra e trouxe à tona tensões raciais arraigadas, embora aparentemente adormecidas nos Estados Unidos. E deixou claro que o sonho de Luther King está longe de se tornar uma realidade. O episódio levou Barak Obama. o primeiro presidente negro da história dos EUA a desabafar, numa entrevista inesperada na Casa Branca, despertando velhos demónios ao falar, abertamente, sobre o racismo: "Há muito poucos homens afro-americanos, neste país, que não passaram pela experiência de serem seguido quando faziam compras numa loja. E isso me inclui. E há muito poucos homens afro-americanos que não passaram pela experiência de andar na rua e ouvir os cliques das fechaduras das portas dos carros. Isso aconteceu comigo, pelo menos antes de ser senador. Há muito poucos afro-americanos que não passaram pela experiência de entrar num elevador e uma mulher segurar, nervosamente, a sua mala e prender a respiração até conseguir sair." Figuras ilustres, como a cantora Beyoncé, o rapper Jay Z e o reverendo Al Sharpton, milhares de pessoas - entre ativistas e integrantes da comunidade afro-americana - tomaram as ruas de mais de 100 cidades dos Estados Unidos para homenagear Trayvon Martin. Os manifestantes exigem que as autoridades imputem ao vigia George Zimmerman acusações federais de direitos civis e revisem as leis de autodefesa. "Hoje, foi meu filho. Amanhã, poderá ser o seu", alertou Sybrina Fulton, mãe de Trayvon, durante discurso em Nova York. Ao mesmo tempo, Tracy Martin, pai do rapaz, participava de uma manifestação em Miami.

Especialistas, analisando o julgamento e os protestos gerados, admitiram que o racismo é uma ferida aberta no país que se intitula a terra das liberdades civis e da democracia. E alertam para o risco de um aprofundamento do fosso que separa os negros dos brancos. Sobre a questão, a professora de história da Universidade da Califórnia, Brenda Stevenson, reconhece algum avanço, quando afirma: "Os direitos legais das pessoas negras nos EUA melhoraram com o tempo. Mas persistem a discriminação racial e a marginalidade política, econômica, social e legal - mesmo com um presidente bi racial. Este país consiste em uma hierarquia, na qual os afrodescendentes permanecem na base. Quem não é negro vê o progresso feito (o direito do voto, à educação e à moradia) e garante que o racismo acabou. No entanto, eles se recusam a reconhecer que o progresso foi bastante limitado e que ele tem encolhido."

Especialistas, analisando o julgamento e os protestos gerados, admitiram que o racismo é uma ferida aberta no país que se intitula a terra das liberdades civis e da democracia. E alertam para o risco de um aprofundamento do fosso que separa os negros dos brancos.

Sobre a questão, a professora de história da Universidade da Califórnia, Brenda Stevenson, reconhece algum avanço, quando afirma: "Os direitos legais das pessoas de cor negra nos EUA melhoraram com o tempo. Mas permanecem a discriminação racial e a marginalidade política, econômica, social e legal - mesmo com um presidente bi racial. Este país consiste em uma hierarquia, na qual os afrodescendentes permanecem na base".

Para Harvey Silverglate, um advogado especializado em liberdades civis, "a história da discriminação e da segregação racial está profundamente construída no tecido social norte-americano". Segundo ele, como resultado de uma discriminação que perdurou por gerações, o índice de crimes violentos é mais alto na população negra. E acrescenta: "Existe alguma razão para que os afro-americanos sejam vistos em circunstâncias aparentemente suspeitas. A eleição de um presidente negro demonstra que muito progresso foi feito, mas o processo de eliminação do racismo precisa seguir por ao menos mais uma geração inteira." A obediência fiel à 14ª Emenda da Constituição seria a melhor forma de resolver as tensões raciais, segundo Silverglate. "Nenhum Estado poderá fazer ou executar qualquer lei que restrinja os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos EUA. Nenhum Estado poderá privar qualquer pessoa de vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo da lei, nem negar a qualquer pessoa em sua jurisdição a proteção igual das leis", afirma o texto. O advogado sustenta que a igualdade perante a lei é a salvaguarda de todos os cidadãos. Na prática, de acordo com ele, isso está longe de acontecer. "Os júris, compostos principalmente por brancos, têm a tendência de sentenciar à morte e mais negros do que brancos. Isso é um racismo residual, mas empírico, porque o crime entre negros é mais prevalecente. São realidades que estão conosco desde os tempos da escravidão", lamenta Silverglate.

Charles W. Mills, professor de filosofia intelectual e moral da Northwestern University diz que a cicatriz do racismo não se fechará até que a justiça racial seja alcançada no país. O fato de termos um presidente negro tem imenso valor simbólico, mas Obama não se elegeu sobre a plataforma da justiça racial. De acordo com o filósofo, as diferenças de concentração de riquezas entre a classe média branca e negra são de 20 para 1. Prossegue dizendo que o sistema educacional tem se submetido à desagregação há muitos anos. A população carcerária é desproporcionalmente formada por negros e latinos. Uma decisão da Suprema Corte enfraqueceu a Lei de Direitos ao Voto, de 1965, o que tornará mais fácil impedir que negros votem. A vantagem estrutural racial privilegia os brancos e prejudica os afro-americanos. Ele entende que o combate ao racismo exigirá o apoio em massa da população de brancos. "Um diálogo nacional precisa acontecer, com uma Comissão da Verdade e da Reconciliação", defende. Segundo ele, a história da discriminação e da exploração racial tem que ser trazida à consciência nacional branca. "Os brancos devem entender que seus ancestrais se beneficiaram da supremacia branca. Os ativos dos quais eles dispõem são, em parte, resultado dessa injusta vantagem", acrescenta Mills.

Sobre o problema do racismo, a jornalista Katie Rosma lembra um fato curioso ocorrido em uma festa, num dia quente de julho, há 10 anos, assim descrito: "O encontro reunia os suspeitos habituais. Escritores, socialites, a elite da mídia nova-iorquina. Bill Clinton apareceu e logo mudou o centro de gravidade. Na órbita dos desconhecidos, notou um dos poucos convidados negros com um ar de quem se sentia deslocado. Foi puxar conversa com ele. Era um senador estadual de Illinois que estava para se candidatar a uma vaga no Senado em Washington. Ela pensou em entrevistá-lo, mas não conseguiu convencer nenhum editor a comprar a pauta. E Rosman prosseguiu: "Na saída fui abordada por um escritor conhecido, que me perguntou quem era o negro alto e magro. Depois que lhe respondi, confessou-me que tinha confundido Barack Obama com um garçom e lhe pedira para ir buscar uma bebida". Rosman se lembrou da história quando ouviu o presidente, com sua cadência de orador no púlpito dominical, dizer que sabe bem o que é ser seguido por seguranças numa loja e ouvir o 'clic' das portas de carros sendo trancadas quando passa pela rua. E prosseguiu: "Obama não disse nada que seja novidade para os americanos de qualquer raça. Mas só uma minoria vive esta experiência. A aparição do presidente na sala de imprensa da Casa Branca, para inserir sua biografia no debate sobre a morte estúpida do adolescente negro Trayvon Martin, tem impacto, não pelo que ele disse, mas no fato de que as palavras saíram de sua boca. Nenhum negro americano adulto que tenha negociado sua rotina por uma grande cidade - tentar, em vão, tomar um táxi, caminhar à noite, compartilhar o cubículo de um caixa automático - acreditaria na balela de que os Estados Unidos são uma sociedade pós-racial. O fato de que Obama, o pregador da unidade, admitiu isso é um momento que, muitos pensavam, não ia chegar".

Em 2009, o consagrado intelectual negro e professor de Harvard Henry Louis Gates foi preso por um policial branco, acusado de forçar a porta de sua própria casa em Cambridge. Obama disse esperar que o incidente se transformasse num "momento didático" e convidou ambos para beber no jardim da Casa Branca, no que ficou conhecido sarcasticamente como a Cúpula da Cerveja. A biógrafa do casal Obama, Jodi Kantor é de opinião que foi a reação dos afro-americanos à tragédia de Trayvon que parece ter ensinado algo ao presidente. Em que pese toda a retórica sobre a superação de diferenças - políticas, religiosas étnicas, conta que sua vida social no primeiro mandato foi confinada a ultra reduzido grupo de amigos da elite negra de Chicago. Nem Bill e Hillary mereceram uma pizza informal de domingo. Ela prossegue ao dizer que já a vida social de Sasha e Malia, graças aos colegas de escola, parece fornecer o arco-íris e, dizem, pesou na mudança de opinião dos pais sobre o casamento gay. E foi com suas filhas que Obama fechou a declaração mais importante sobre raça de sua presidência, quando disse: "Elas são melhores do que nós. Sua geração é mais sensata do que fomos nós, e, com certeza, mais sensata do que nossos pais e nossos avós, nessa jornada difícil".

Para Rossman se há algo que contribui para a negação coletiva que Obama ajudou a desfazer em 17 minutos de franqueza, é a ideia de que o racista americano é uma figura demoníaca de roupão branco da Ku Klux Klan. O racista americano pode ser um liberal democrata que se defende com o ofensivo argumento "mas eu tenho amigos negros". Ele é o bom racista. Alguém como o colunista Richard Cohen, do Washington Post. Após o veredicto que absolveu George Zimmerman de matar Trayvon, Cohen escreveu que não se pode ignorar a cor da pele de suspeitos porque os negros são a maioria dos autores de crimes violentos. Então, "não faz sentido a polícia revistar turistas dinamarqueses em Times Square". Notem que Cohen está usando estatística para pedir que todos os jovens negros e marrons saiam de casa diariamente assumindo sua identidade suspeita e cooperando com esta percepção. Cohen se disse cansado dos políticos que sugerem que, por "reconhecer a realidade do crime urbano, eu sou um racista". A carapuça é sob medida para o autor do comentário.



   
 
 
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